quinta-feira, 15 de março de 2007

Uma contribuicao sobre a conjuntura

Análise da conjuntura brasileira

Por José Roberto Paludo – membro do DN-PT
Lisboa-PT, 10 de março de 2007.

O segundo governo Lula precisa ser melhor que o primeiro. O próprio presidente reafirmava isso em sua campanha, que só valeria a pena um segundo mandato se fosse melhor que o primeiro, como o Partido assim o reivindica e a própria conjuntura o exige.

As duas grandes prioridades apresentadas na campanha foram: crescimento econômico e educação.

Crescimento econômico com geração de emprego e distribuição de renda.
No primeiro mandato do Presidente Lula houve avanços positivos em praticamente todos os indicadores: balança comercial, redução do risco país, baixa da inflação, baixa dos juros, aumento do emprego, etc. Os itens mais importantes foram:
- crescimento do PIB, porém abaixo da média mundial e abaixo da média da América Latina, ou seja, houve uma conjuntura internacional favorável ao crescimento;
- pagamento da dívida pública com FMI, porém resta a dívida interna, que era muito alta (herança maldita da era neoliberal) e de curto prazo, que exige altas taxas de juro e inibe os investimentos produtivos. O governo alterou muito moderadamente o perfil dessa dívida, ou seja, uma melhora lenta;
- distribuição de renda, pela primeira vez nos últimos 30 anos os extratos de baixa renda ampliaram sua participação no total do “bolo” do PIB, resultado do aumento do poder real do salário mínimo e das políticas sociais do primeiro mandato;
A conjuntura internacional continua favorável, porém não se sabe por quanto tempo. Já começam a aparecer crises como na China que colocam em risco o alto deficit dos EUA e poderá produzir uma crise semelhante a dos anos 30 do século passado.
A iniciativa de Lula no segundo mandato foi o lançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), um pacote de investimentos em infra-estrutura, principalmente transporte e energia, reduzindo o superávit primário, ou seja, transferindo recursos reservados à segurança do sistema financeiro para o setor produtivo. O PAC para alcançar seus objetivos depende também da participação privada. O governo começa fazendo sua parte e espera a participação do mercado.
É nesse contexto que se dá a tão polêmica visita oficial de Bush ao Brasil. Esse fato tem vários sentidos:
- Bush tem interesse mediático e tenta recuperar sua imagem interna frente às eleições do próximo ano, que embora ele não possa mais concorrer, pretende ajudar os republicanos, enquanto Lula sofre um grande desgaste popular por isso;
- Bush tem interesse financeiro, mudar parte da matriz energética de petróleo para etanol, menos poluente, e tentar diminuir a emissão de gases estufa nos EUA, além dos seus negócios familiares (ligados ao petróleo);
- Lula quer o apoio dos setores do mercado para o PAC e foi duramente criticado pelas negociações sobre o gás da Bolívia, considerada uma negociação “ideológica”, portanto, tenta quebrar esse estigma e mostrar que negocia com todos;
- Além da aposta no etanol para manter a balança comercial favorável, talvez interesse a Lula tentar flexibilizar a protecção americana aos produtos agrícolas de forma bilateral, já que não obteve muitos avanços junto a OMC nos últimos quatro anos.

Educação universal e de qualidade.
Se o PAC foi apresentado como uma resposta a prioridade de crescimento apontada na campanha de 2006, a outra prioridade ainda não tem um plano finalizado. A educação no primeiro mandato de Lula também teve seus avanços:
- mais de 90% da população em idade escolar está alfabetizada, o que é praticamente uma média de toda a América Latina, o desafio está na qualidade do ensino;
- Aprovação do FUNDEB que pretende dotar de fundos e melhorar a qualidade do ensino médio;
- Criação de oito novas universidades federais e ampliação de outras tantas, o que não ocorria a mais de 20 anos;
- Criação de centenas de escolas técnicas federais, articuladas com a “vocação” produtiva de cada região;
- Mais de 200 mil bolsas do Pró-Uni, o que representa um aumento de quase 100% das vagas públicas federais para o ensino de terceiro Grau
Para além desses avanços já iniciados no primeiro mandato, falta um projeto que articule esse conjunto de políticas e forme um plano estratégico de educação para o país, com uma visão de médio e longo prazos.

Além das duas prioridades apresentadas na campanha, outras pautas estão na ordem do dia:
- reforma política: o grande desafio é aprovar ao menos um sistema eleitoral misto (combinar o voto em lista e uninominal, pois o Brasil é um dos países do mundo onde o voto é mais pessoal, o que praticamente dispensa os partidos), combinado com financiamento público das campanhas (que irá custar menos que o atual sistema, além de permitir o controle dos gastos, evitar abusos, proporcionar mais igualdade de concorrência e evitar a corrupção eleitoral, que é uma das modalidades de corrupção) e a fidelidade partidária (que evitará a corrupção dos parlamentares e governantes depois de eleitos, evitará episódios como o da reeleição de FHC, das privatizações e do caixa 2 do PT);
- reforma fiscal: o Brasil tem uma carga fiscal no patamar dos países desenvolvidos, porém tem uma grande informalidade e deficiências na tributação dos capitais e sistema financeiro, o que sobrecarrega apenas o setor produtivo no lado dos ingressos. Logo do lado da distribuição dos recursos também há uma pressão por uma maior distribuição entre os entes federativos (união, estados e municípios). Há ainda o sistema de gestão dos serviços públicos que necessita ser melhor desenhado para avançar na qualidade. Organizar esses sistemas exige propor um modelo de estado federal de médio e longo prazo;
- Há também o tema das telecomunicações onde existe um sistema de monopólio privado no Brasil. Nas últimas eleições, saiu derrotado politicamente e portanto, temos o melhor cenário para propor mudanças, porém, tão pouco Lula dá sinais de que pretende enfrentar esse problema;
- As eleições de 2008 e 2010 já começam a ser pautadas, com declarações de FHC da sua chapa ideal Serra e Aécio, enquanto no PT não existe uma estratégia, um consenso, todos negam, mas todos operam em função disso, ou seja, a estratégia é não mostrar a estratégia;
- A pauta mais difícil porém é o tema da violência, do crime organizado. Lula citou o tema “en passant” em seu discurso de posse, mas Sérgio Cabral (governador RJ) declarou ser a favor da legalização das drogas, por exemplo, que é um tema muito polêmico. Dia após dia esse tema ocupa as manchetes da grande mídia brasileira e é a principal pauta do Brasil no exterior, inclusive por parte dos países que têm interesse econômico na competição por turismo, que aproveitam para passar uma imagem de insegurança do Brasil, para fazer frente às nossas vantagens naturais. Esse é um tema difícil para o PT, não faz parte da nossa agenda tradicional e faltam propostas imediatas para esse problema, uma vez que as políticas econômicas e sociais têm um efeito somente a longo prazo.
Diante de tudo isso, Lula fortaleceu a base aliada no congresso, formalizando o apoio do PMDB, elegendo Arlindo Chinaglia presidente da Câmara e simbolicamente a mudança de nome do PFL, para tentar se livrar do estigma de partido de direita, ligado à ditadura militar e ao neoliberalismo, significam um avanço político de tendência à esquerda. Para ressaltar o fato simbólico da derrota do PFL, é importante frisar a vitória do PT no governo do estado da Bahia, quebrando a oligarquia de ACM.

Para finalizar, o PT abriu seu III Congresso Nacional em 10 de fevereiro, aniversário de 27 anos, exatamente em Salvador. Esse congresso debaterá até julho três temas: o socialismo petista, organização e funcionamento e um projeto para o Brasil, ou seja, pretende fazer uma síntese da experiência histórica de partido de massa e partido de governo e delinear um projeto interno de partido, um projeto de país e uma estratégia político-ideológica com uma visão de futuro.

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